quinta-feira, 13 de novembro de 2008

nós

Ele escolhia as palavras muito bem, mas seu café era doce demais. Seu guarda-roupa vivia arrumado, ele sempre foi muito organizado, diria até sistemático, mas eu encarava isso como uma qualidade. Os lençóis estavam sempre brancos, com cheiro de amaciante, passados e muito bem colocados no colchão. E eu pousava ali feito um turbilhão, bagunçava tudo, inclusive ele, depois ia embora. De vez em quando, ele aparecia com uma câmera fotográfica e exigia que eu tirasse a roupa.
- Quero me lembrar do seu corpo pra sempre. – ele dizia, e tratava de tirar as fotos. No início eu me sentia desconfortável com a situação, mas ele tinha algo que me fazia esquecer de toda a vergonha, acho que eram seus olhos estranhamente castanhos/verdes. Quando chegava cansado do trabalho, gostava de lhe preparar um sanduíche e fazer-lhe uma massagem nas costas. Ele ficava ali, estirado no tapete, enquanto eu caminhava, deitava, rolava e escorregava por todo o seu corpo. Era bom. Seu maior defeito era o ciúme. Ele tinha ciúmes da minha sombra, que andava colada demais comigo. Eu era uma boa ouvinte, e ele um bom falante, nos completávamos. Mas éramos um tanto doentes, eu mais que ele. Tinha medo de ser feliz demais, como se essa palavra não coubesse a mim, por isso o deixei. Ele tinha paciência demais, o que acabou por me deixar impaciente. Também por isso fui embora. Eu sempre vou. Acho até que nunca estive.

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