sábado, 29 de novembro de 2008

poro

Cada poro castanho
e castanhas íris
que brilham e sorriem
e me deixam assim,
apenas eu contigo
você sem mim
vagando em pretéritos
e ignorando-me

apenas no breu ríspido e rude
consigo alcançar-te
e senti tudo o que és
tudo o que tomas de mim
com um simples e estúpido sorriso
que nem sei se meu ou de outra
que nem sei se cheio ou vazio
só sei que sorriso
o seu
me basta.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Seria confortante saber que ele percebeu uma certa mudança.

domingo, 23 de novembro de 2008

o que acontece quando tenta fazer as coisas certas

Chegou em casa mais cedo que o normal, deparou-se com a nova persiana negra na janela. Achou um tanto estranho, deixou o quarto muito escuro, mas devia ser bom dormir sem luz alguma no rosto. Sua mãe estava com um estranho no quarto, um cara gordo e branco, deitado na cama. Ela viu aqueles pés masculinos, enrolados no cobertor, e a mãe fechando a porta, envergonhada. Trancou-se no quarto e ficou refletindo sobre o acontecido. "É, as mães também transam, também tem necessidades e essas coisas". "Mas que coisa nojenta e repugnante". Pegou a mochila e colocou dentro uma calça jeans, um casaco e um tênis. Largou a camisa suja e rasgada do Jimi Hendrix em cima da cama e avisou que já estava indo. Ainda brincou com o cachorro e pegou um pacote de biscoito. Na rua, ainda sem saber para onde ir, sentou-se embaixo de um bloco e ficou olhando a manhã de domingo ir embora. Decidiu que teria que aprender a lidar com a situação, mais cedo ou mais tarde, ela estaria saindo de casa, e sua mãe não ficaria sozinha, estaria feliz, transando com o branco, velho, gordo e meio careca. É, as coisas estão mudando.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

breathe

Long you live and high you fly
And smiles you'll give and tears you'll cry
And all you touch and all you see
Is all your life will ever be.
- Você anda ouvindo músicas muito tristes ultimamente.
- Impressão sua.
- Você ouviu sete CDs do Pink Floyd, um seguido do outro.
- E daí?
- Eu acho Pink Floyd um tanto melancólico.
- Não é.
- Já tomou seu remédio hoje?
- Se você não percebeu, faz uma semana que não tomo nenhuma pílula.
- Por quê?
- Porque eu não gosto de sentir que estou sendo controlada. Aquele remédio me dá uma sensação horrível, parece que eu estou presa dentro de mim mesma, e não tem coisa pior do que ficar preso dentro de si mesmo. Entende?
- Entendo. Mas... e essas lágrimas no seu rosto?
- Que lágrimas?
- Essas aí, molhando sua blusa, seu caderno.
- Elas sempre estiveram comigo, só que o remédio estava controlando.
- E você gosta quando elas estão aí, escorrendo pelo seu rosto?
- Não. Eu gosto quando elas estão livres para escorrer.
- Ao contrário do que você pensa, ninguém está te prendendo. Você mesma se encarrega disso.
- Não.
- O que diabos te deixou desse jeito? O que te machuca tanto?
- Eu não sei.
- Sabe sim, mas tem medo de encarar a verdade. Você é fraca, sempre foi.

sábado, 15 de novembro de 2008

aminas


É a coisa mais forte, mais bonita que eu tenho em mim. Porque não é preciso palavras, elas entendem só de olhar. É esse nó que se forma na minha garganta toda vez que elas resolvem expressar esse sentimento. São as minhas lágrimas que elas sempre secam. É esse aperto no peito que eu sinto toda vez que algo não está bem entre nós. É não poder imaginar a minha vida sem elas. Sim, porque nós somos uma coisa só, e não poderia ser diferente. Porque eu amo aqueles sorrisos, aquelas vozes, aquelas três. Eu amo. E eu vou levá-las pra sempre. Na minha nuca, no meu peito.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Pablo Neruda

“Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite sobre suas invisíveis rodas
e junto a mim és pura como o âmbar dormido.

Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma viajará pela sombra comigo,
só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.

Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves sinais sem rumo
teus olhos se fecharam como duas asas cinzas,

enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,
e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.”


Foi a primeira coisa que li quando acordei em sua cama, numa manhã chuvosa de sábado. Você tinha tirado de um de seus livros e deixado ali, em cima do criado-mudo. Ontem comprei um livro do Neruda e, folheando algumas páginas, deparei-me com ele novamente. Senti um aperto no coração e fechei o livro.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

nós

Ele escolhia as palavras muito bem, mas seu café era doce demais. Seu guarda-roupa vivia arrumado, ele sempre foi muito organizado, diria até sistemático, mas eu encarava isso como uma qualidade. Os lençóis estavam sempre brancos, com cheiro de amaciante, passados e muito bem colocados no colchão. E eu pousava ali feito um turbilhão, bagunçava tudo, inclusive ele, depois ia embora. De vez em quando, ele aparecia com uma câmera fotográfica e exigia que eu tirasse a roupa.
- Quero me lembrar do seu corpo pra sempre. – ele dizia, e tratava de tirar as fotos. No início eu me sentia desconfortável com a situação, mas ele tinha algo que me fazia esquecer de toda a vergonha, acho que eram seus olhos estranhamente castanhos/verdes. Quando chegava cansado do trabalho, gostava de lhe preparar um sanduíche e fazer-lhe uma massagem nas costas. Ele ficava ali, estirado no tapete, enquanto eu caminhava, deitava, rolava e escorregava por todo o seu corpo. Era bom. Seu maior defeito era o ciúme. Ele tinha ciúmes da minha sombra, que andava colada demais comigo. Eu era uma boa ouvinte, e ele um bom falante, nos completávamos. Mas éramos um tanto doentes, eu mais que ele. Tinha medo de ser feliz demais, como se essa palavra não coubesse a mim, por isso o deixei. Ele tinha paciência demais, o que acabou por me deixar impaciente. Também por isso fui embora. Eu sempre vou. Acho até que nunca estive.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

segunda pessoa


Era o silêncio que consumia sua voz no final, o escuro que consumia as linhas tênues do seu corpo, o calor que consumia nossos músculos exaustos, que me faziam chorar. E de tanto me retorcer em seus lençóis, de tanto você implorar o meu torpor, a cama ficou vazia, não só de você e de mim. De sorrisos. Eu joguei-os pela janela, tratei-os feito esmola, tirei-os de você. Mas eu só queria que você os trouxesse de volta e se deitasse novamente ao meu lado, mordendo meus lábios, visitando-me no meio da noite. Eu estou aqui, até agora, aquecendo a nossa cama.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

reflexões pós-filme

Cheguei perto uma vez, mas tive medo de sentir. Alguns tentaram, penetraram meu corpo, mas nunca me tiveram. Meu corpo era só meu, não havia amor naquelas camas. Nunca houve. A saudade que me toma hoje é fruto do que não aconteceu. É isso, tenho saudade do amor que eu não sentia por ele, o tal amor que eu pensava sentir, mas que nunca existiu. Eu precisava de alguém que me seduzisse, que me fizesse sorrir, que me ajudasse a ser. E ainda preciso. Sei que existe algo muito bom dentro de mim, só preciso aprender a expressar.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

a saudade

óculos de leitura
coleção de discos
barba de três dias
vinho na porta da geladeira
camisas listradas
o tapete da sala
olhos curiosos
cigarro esperando no cinzeiro
pêlos do braço
Beatles e Chico
cabelos molhados
lençóis brancos
seus lábios
domingo de manhã
a espuma da banheira
suco de laranja
brigas à toa
reconciliações
passeios de carro
estradas desertas
3h da manhã
luzes azuis
nossos corpos nus
luz do sol às 10h da manhã
cheiro de café
cueca listrada
voz de veludo
braços fortes
sua mão na minha
as palavras
os beijos
as noites
a saudade.

domingo, 9 de novembro de 2008

terapia

Estávamos nus, deitados na cama. Ele repousava sua cabeça em meus seios, minhas pernas envolviam seu tronco, enquanto meus dedos passeavam por seus fios de cabelo. Era domingo, o quarto cheirava a preguiça.
- O que você acha de írmos ao cinema? - perguntou.
- Agora?
- É.
- Por que não assistimos um filme aqui mesmo?
- Fiquei com vontade de ir ao cinema.
- Mas tá chovendo.
- Eu tenho carro.
- E eu ainda vou ter que tomar banho, secar o cabelo...
- Eu espero.
- E roupa? Eu não vou usar a mesma de ontem, tá suja.
- Veste aquela minha camisa listrada, você fica linda com ela.
- Uma mulher na padaria disse que eu parecia uma doente.
- E desde quando você se importa com o que os outros pensam?
- Ah, a verdade é que eu não tô afim de ir ao cinema.
- Eu sei. Só queria que você falasse. Não parece, mas é importante falar o que você está sentindo, mesmo que vá contra os interesses de alguém.
- Acho que vou parar de ir ao psicólogo.

sábado, 8 de novembro de 2008

Eram as estrelas dos olhos dele. Brilhavam. Estava sentado na velha poltrona de couro marrom, lendo Neruda e fumando um de seus cigarros. Deitei-me no tapete e acendi o Carlton.
- Você me irrita - falou, deixando o livro aberto sobre os joelhos.
- Por que?
- Você sempre chega tarde, não me cumprimenta e deita-se aos meus pés, sem dizer coisa alguma. Pensa que eu não vejo as manchas no teu corpo, nas tuas roupas? Eu sinto o cheiro dele nos teus cabelos desgrenhados, o gosto dele nos teus lábios cálidos. Finjo não me importar, fico aqui lendo meu livro, angustiado, ansioso por você.
- Pensei que você realmente não se importava.
- Então quer dizer que você faz de propósito?
- Às vezes.
- Não esperava uma atitude dessas vinda de você. E quem é ele? Quem é esse cara que te afasta de mim?
- Não é ninguém.
- Eu quero saber quem é.
- Não vale a pena.
- Você está me provocando de novo.
- É.
- Por que diabos você está estragando tudo?
- Porque eu tenho medo.
- Medo de quê? - disse com os olhos úmidos.
- Medo de amar você.
- Isso é ridículo.
- Isso sou eu.
- Isso é a porra da sua insegurança.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

primeira pessoa


Como eu gostava das unhas vermelhas, das pintas espalhadas pelo corpo moreno cheio de curvas que me faziam perder a cabeça. Os lábios grossos e rosas, molhados de nós, secos de mim. Que saudade eu sinto de seus olhos de manhã, me olhando, me guardando. Suas pernas caiam tão à vontade no meu colo, tocavam minha pele com um calor descomunal e se entrelaçavam nas minhas, assim como os lençóis e as noites de agosto. Quando os meus dedos, amor, desenhavam lentamente os seus seios e ouriçavam seus pêlos tão finos e delicados, ficava tão bonita. E seus cabelos vadios, esparramados no colchão, ondulados, soltos... Como eu queria abrir seus botões, morder seu queixo, beijar sua boca, ser você, em você. Só mais uma vez, uma única vez, eu queria que o tempo voltasse, e que você estivesse na cozinha, nua, preparando nosso café com flores.